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terça-feira, 26 de julho de 2011

LANCE DE CR$ 560 CRUZEIROS




 Vista parcial da Praça de S'antana, em Óbidos (PA).

Era agosto de 1966, morava com meus pais em Óbidos, vivia momentos de expectativa com a chegada de final ano, pois  minha mãe havia prometido que caso eu fosse aprovado na Escola São Francisco na qual cursava o terceiro ano primário receberia com prêmio uma viagem para Belém, onde minha avó paterna morava. Estava ansioso para conhecer o aparelho que era a coqueluche do momento: a televisão. O comentário no bar Andrade era sobre a novela Direito de Nascer que na época fazia sucesso e que os obidenses acompanhavam pelo rádio, pois seus capítulos eram levados ao ar diariamente pela TV Tupi e pelas emissoras de rádio dos Diários Associados, um grupo de empresas pertencentes ao jornalista Assis Chateaubriand,  que trouxe para o Brasil, em meados dos anos 50, este equipamento que revolucionou as comunicações em nosso País.  
Salvo engano, no mês de Outubro é comemorado na comunidade de São Jorge na costa de baixo em Óbidos, a festa do padroeiro daquele local. Meus tios Wilson, Dimas e Ita, preparavam-se para participar do evento, outro tio, o Wilson, sendo o mais velho,  era o responsável pelo barco o qual meu avô chamava de  Poranguinha, uma alusão ao seu sítio que denominado de Poranga,  que fica nas proximidades da Vila Vieira na Costa de Baixo.
Quando era garoto ficava me indagando porque esse nome Poranga e qual o seu significado. Somente alguns anos depois, morando em Belém, lendo um livro lá estava o significado do nome em língua indígena que quer dizer: menino bonito. Não me pergunte qual o filho que meu avô quis homenagear com esse nome; tenho certeza de que teria dificuldade de escolher um, pois  foi  pai de uma vasta prole, ou seja, vinte e um filhos. Conversando com minha mãe digo que há uma justificativa para tantos filhos, é que naquela época não havia televisão.
Após meus tios insistirem várias vezes para o meu pai autorizar a acompanhá-los enfim, meu velho foi vencido pelo cansaço e lá estava eu a bordo do barco indo para a Poranga. Durante a viagem já me imaginava subindo na mangueira carregada de mangas, pensava onde iria conseguir caniços para pescar, aí me lembrei do Chaguinhas, meu chapa, filho de Zeca Diniz e da Dona Milica que na época eram nossos vizinhos. O trajeto de Óbidos para a Poranga era no máximo de uma hora, como diz o caboclo, a viagem era de baixada, mais minha ansiedade de chegar era tão grande que aquela viagem parecia que estava durando um século, enfim,  chegamos era final da tarde.
A festa do Santo Padroeiro da comunidade de São Jorge comumente começava na sexta-feira e encerra no domingo à noite com uma grande festa. Os conjuntos musicais que animavam o embalo vinham de Santarém. Nas duas noites iniciais fiquei no sítio com meu avô e durante o dia aprontava todas as peripécias possíveis e imagináveis que um moleque pode aprontar, tanto era assim que meu pai dizia que eu era uma mistura de fio elétrico de 220 volts, desencapado. Se achassem que era pouco complementava dizendo, ou talvez ,quem sabe, um choque de puraquê dentro d’água.
Domingo, final da tarde, depois de passar parte do dia vadiando, ora andando de cavalo ou pescando em um lago existente por trás da casa do sítio, fui chamado para o jantar pois na casa de meu avô, primeiro as refeições eram servidas para as crianças e depois aos adultos, estava eufórico esperando a hora de chegar na festa porque lá estariam alguns amigos como: Tibúrcio, Zé da Zinha, Chico do Gito, Chaguinha e outras figuras, era uma porção de moleques  que quando estavam juntos a bagunça era tida como certa, como toda a festa de interior e não falta o pau de sebo, e os marreteiros vendendo suas bugigangas.
Estava sendo uma noite memorável até que passou em minha frente um homem de meia idade que portava um pequeno paneiro com farinha e gritava com uma voz de tenor façam o seu lance, façam o seu lance e se dirigiu em minha direção perguntou você não quer fazer um lance de pronto para não ficar por baixo diante de meus amigos falei ao leiloeiro em alto e bom tom que o meu lance era de CR$ 560 cruzeiros. Na hora de pagar o valor do material arrematado foi um cripocó. Para se ter uma idéia o valor de meu lance dava, na época, comprar uns cinco paneiros de farinha, em média com trinta quilos cada. 
Meu avô foi procurado pelo leiloeiro e sentiu-se na obrigação de pagar a farinha que arrematei um pouco bravo mais dizendo que o fazia para ajudar a comunidade. No dia seguinte fui mandado de volta para Óbidos, mais antes da viagem levei umas cipoadas com galho de cueira e fiquei algumas horas de joelho de cara para a parede.
Final do ano viajei para morar em Belém onde passei parte de minha infância e adolescência, mas vinha com frequencia à Óbidos, e  nunca tive a oportunidade de retornar a comunidade de São Jorge. Somente muito tempo depois, por volta do ano de 2000, quando era um dos coordenadores da Campanha do candidatado a prefeito de Óbidos,  Walmique Rocha, visitei  aquela comunidade. Ao chegar ao chegar no local as lembranças de minha infância começaram a aflorar, foi como se tivesse assistindo a um filme. Comecei a sorrir e as pessoas que estavam ao meu lado, sem entender o que estava acontecendo, me perguntaram o motivo de minha alegria, tive que contar a história e a gargalhada foi geral.
Hoje é domingo, dia do Procissão de S’antana em ÓBIDOS,  acordei pela manhã para ir à missa na igreja de Aparecida, em Manaus, antes sentei-me no pátio de minha casa e estas lembranças vieram de forma avassaladora. Tenho um amigo, o MAURÃO, que justifica de forma romântica quando lembra de sua infância na cidade Presépio:Eu sai de Óbidos, mas Óbidos nunca saiu de mim”. Quem sabe ele tenha razão que meus contemporâneos, todos chegando aos sessenta anos, quando fazemos uma reunião o assunto do começo ao fim é o período em que vivemos em Óbidos.
Assumi um compromisso comigo: uma hora dessas num desses feriados prolongados vou pegar o primeiro barco que for para Óbidos. Lá  vou rever meus amigos de infância, irei ao Cais do Porto, na Cabeça do Padre. Sem planejar nada pela manhã, já caminhando para os sessenta anos com a cabeça mais tranquila estas lembranças começam a surgir, de uma hora para outra, como quisesse dizer não esqueças das suas  origens. Na última viagem que fiz à Óbidos passei somente algumas horas, quando fui ao funeral de dona Lucideia, mas agora vou me programar para, em breve, fazer uma visita à Cidade Presépio onde moram alguns contemporâneos, o que é sempre prazeroso revê-los.
Por: Paulo Onofre
Jornalista (MTb 467)
Jornal Tribuna do Iranduba