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terça-feira, 14 de agosto de 2012

Universidades federais, para além das greves



Universidades federais, para além das greves

Roberto Romano (*)

O reitor deve atrair deputados federais e senadores, obtendo o favor político a ser pago com fidelidade ao governo. Cada recurso novo é negociado na boca do Orçamento. As oposições consentidas podem ajudar na bacia das almas. O prestígio reitoral, no Executivo e no Congresso, nos últimos tempos tem sido raro. O dinheiro não está garantido. O que explica, em parte, as greves.
Pouco é comentado, nas análises sobre a greve dos professores federais, sobre o conúbio entre reitores e governo. É preciso examinar tal elo para entender os entraves institucionais e financeiros que originaram o movimento grevista.
A autonomia universitária não vai além da letra, na Constituição de 1988. Fora as universidades paulistas - cuja base autônoma é um decreto do Executivo estadual -, no Brasil os câmpus sofrem rígido controle do Ministério da Educação (MEC) e os reitores são escolhidos de modo plebiscitário. As lutas pelos cargos fazem com que na eleição reitoral impere o "é dando que se recebe". Como os municípios, as formas acadêmicas dependem de tratos oligárquicos e acertos com ministérios. Em eleições presidenciais essa anomalia se confirma no apoio ilegal de reitores aos palacianos. Em 27/10/2004 Luiz Inácio da Silva recebeu apoio de 55 instituições de ensino superior. Na audiência ilegal estavam os ministros da Educação, da Previdência e da Casa Civil. O encontro de 2004 foi o segundo entre reitores e Presidência. Em 5/8/2003, segundo importante dirigente universitária, "pela primeira vez tivemos uma reunião de caráter político entre o nosso sistema e o presidente da República" (fonte: MEC, no site Universia Brasil, http://www.universia.com.br). O procedimento foi repetido na escolha da atual presidente.
Ilegalidade para apoiar candidatos oficiais, subserviência diante do governo, uso de cargos para fins político-eleitorais. Os monopólios da ordem pública pelo Executivo trazem ineficácia ao câmpus, entravam iniciativas de pesquisadores e docentes. Os responsáveis pelo ministério confessam que sem os municípios e as universidades nada pode ser feito para melhoria administrativa e pedagógica no plano federal. Quando ministro, Fernando Haddad admitiu que o Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE) não trouxe reflexos significativos ao ensino superior: "O governo federal sozinho não conseguiria enfrentar os entraves educacionais do País. Era preciso o envolvimento de todos os Estados, municípios e universidades" (Haddad admite que PDE ainda não mudou ensino superior, Universia, 19/5/2008).
Quando notamos o comportamento dos reitores citados acima, podemo-nos inquietar com os frutos do comércio entre eles e os palácios. Ao contrário das universidades europeias ou norte-americanas, onde a guerra para conseguir recursos ocorre entre grupos acadêmicos (quem vence consegue verbas do Estado ou das empresas), nas universidades federais, como nos municípios, a passagem das verbas aos benefícios segue a via oligárquica e partidária. O reitor deve atrair deputados federais e senadores, obtendo o favor político a ser pago com fidelidade ao governo. Cada recurso novo é negociado na boca do Orçamento. As oposições consentidas podem ajudar na bacia das almas. O prestígio reitoral, no Executivo e no Congresso, nos últimos tempos tem sido raro. O dinheiro não está garantido. O que explica, em parte, as greves.
Interessa aos dirigentes o jogo dos oligarcas nos gabinetes ministeriais. Ali se determina o prestígio do reitor ou do seu grupo. Prefeitos em plano micrológico, eles buscam verbas. No itinerário dos recursos vêm o favor e as "conversas políticas". Ao se prenderem no xadrez burocrático e partidário, os reitores são obrigados a aceitar a lentidão e as regras que amesquinham ensino e pesquisa, começando com os baixos salários. A rede cortesã tolhe iniciativas dos câmpus, mas gera no seu interior a ilusão da democracia eletiva, com abstração dos fins científicos e pedagógicos.
O dogma das eleições que assegurariam legitimidade às Reitorias trouxe resultados desastrosos. A experiência da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) é importante, pois ela se repete a cada nova eleição nos câmpus federais. Nas eleições "todos os nomes sufragados pelas urnas pertenciam às forças políticas que vinham dirigindo a UFSC desde a sua criação e que mantinham com os governos militares uma convivência pacífica ou um apoio entusiasta. (...) O processo eleitoral não possibilitou, portanto, como esperavam ou aspiravam as forças de oposição ao regime militar, neste caso as organizações dos docentes, servidores técnico-administrativos e estudantes, que grupos políticos não alinhados com as elites locais e nacionais pudessem ocupar os mais altos cargos da universidade" (Waldir José Rampinelli, O Preço do Voto - Os Bastidores de uma Eleição para Reitor).
Na universidade, nenhum mandato popular ou divino legitima o exercício do pesquisador/docente ou pesquisador/estudante. Só a retidão ética e o saber fornecem autoridade acadêmica. Se um reitor se mostra alheio à produção da ciência e do ensino e age servilmente perante o governo, temos apenas um embaixador do poder no câmpus. Se, além disso, ele traz para o interior da instituição universitária os interesses dos partidos políticos, surge algo manifestamente nocivo à universidade.
Nos últimos tempos, Reitorias que assumem semelhante lógica surgem em colunas políticas e de polícia, ligadas ao uso errôneo de recursos públicos. Para entender o fato importa examinar a estrutura do Estado brasileiro e os costumes que ela ocasiona. Sem autonomia, governadores, prefeitos, reitores são elos de uma cadeia (a da lisonja servil) que rege a vida política brasileira. É quase impossível mudar a forma de poder que centraliza as políticas públicas no Executivo federal. Mas nas universidades vivem intelectuais que dominam saberes e práticas as mais sofisticadas. Eles poderiam elaborar planos de autonomia compatíveis com os padrões da pesquisa científica, humanística e de ensino. Se não o fizeram e não o fazem, é por cumplicidade. Aí, nada mais pode ser dito, porque entramos no terreno do realismo míope e oportunista, fonte de muitos risos e de muitas lágrimas para a cidadania brasileira.
(*) É filósofo, professor de ética e e filosofia na Universidade de Campinas (UNICAMP), é autor, entre outros livros, de “ O Caldeirão de Medeia”, Perspectiva.  

UMA POLÍTICA EDUCACIONAL QUE RESUTE NO DESENVOLVIMENTO INTELECTUAL



UMA POLÍTICA EDUCACIONAL QUE RESUTE NO DESENVOLVIMENTO INTELECTUAL

Márcio Souza (*)

O resultado foi o surgimento de intelectuais e escritores nativos da região, que contribuíram para formar um pensamento e pela primeira vez interpretaram aquela realidade (amazônica) unindo a vivência e a erudição. A base educacional montada neste final do século XIX, legou ao Brasil escritores como Inglês de Sousa e José Veríssimo.

É no marasmo do século XIX que a cultura será escamoteada ao povo, transformada em ritual ridículo e esvaziada de sentido. O poeta Gonçalves Dias, enviado ao Norte, 1853 pelo Império como membro da Comissão Científica de Exploração, visitou diversas escolas e incluiu em seu relatório de viagem em capítulo sobre a educação no Amazonas (Rio Negro e Solimões), registrou a pouca frequência às aulas e o fenômeno da rejeição da língua portuguesa por uma população de fala nheengatu, usada “em casa e nas ruas e em toda parte”. Os poucos que tinham recursos para frequentar uma escola ou uma universidade no sul do país ou no exterior, voltavam tão desligados da vida pacata que não conseguiam mais compreender sua terra natal.

Foi este relatório que desencadeou um programa educacional sem precedentes para o norte do império, provavelmente o único programa de grande extensão e investimento realizado pelo regime de Pedro II na área educacional. O resultado foi o surgimento de intelectuais e escritores nativos da região, que contribuíram para formar um pensamento e pela primeira vez interpretaram aquela realidade (amazônica) unindo a vivência e a erudição. A base educacional montada neste final do século XIX, legou ao Brasil escritores como Inglês de Sousa e José Veríssimo.

Em 1853, nasce em Óbidos, Pará,  http://pt.wikipedia.org/wiki/%C3%93bidos_(Par%C3%A1) o romancista Inglês de Sousa. Filho de família abastada, estudou as primeiras letras em sua cidade natal, o que teria sido impossível tivesse nascido uma década antes, e a seguir formou-se em Direito pela Universidade de São Paulo.

Herculano Marcos Inglês de Sousa, http://pt.wikipedia.org/wiki/Ingl%C3%AAs_de_Sousa      embora tenha sempre vivido longe de sua terra devido sua atividade como juiz de direito, jamais a esqueceu e toda a sua obra reflete uma aguda vivência e forte capacidade de observação crítica, fruto de uma infância entre gente de cultura, que formavam um microcosmo civilizatório nesta rica área de pecuária tradicional e fazendas de cacau.

Como o Missionário (1888), sua obra mais famosa, o autor introduz no Brasil o naturalismo, mas com um certo mormaço, uma certa sensualidade amazônica, sem a fria liturgia da escola europeia. Do mundo do cacau, anates do ciclo bahiano que nos daria Jorge Amado, Inglês de Sousa legou dois extraordinários romances: O Cacaulista (1876) e Coronel Sangrado (1877), que prenunciam o realismo crítico de Graciliano Ramos e José Lins do Rego.

Inglês de Sousa foi um homem influente em seu tempo e não apenas como romancista, Fundador com Machado de Assis da Academia Brasileira de Letras, onde ocupou a cadeira número 28, cujo patrono era Joaquim Manuel de Almeida, exerceu o cargo de presidente das províncias de Sergipe e Espírito Santo, fixando-se mais tarde no Rio de Janeiro, onde foi jurista respeitado. Homem afinado com os rituais do poder, advogado sagaz e bem sucedido, Inglês de Souza, no entanto, escreveu obras densas, despidas de regionalismo. Uma visão nada complacente com as injustiças sociais e o abandono do homem comum na Amazônia. Ao lado José Veríssimo, outra grande figura amazônica daqueles tempos difíceis e tristes, Inglês de Sousa compõe a dupla de homens de letras nascidos no grande vale.

José Veríssimo, http://pt.wikipedia.org/wiki/Jos%C3%A9_Ver%C3%ADssimo        também de Óbidos, Pará, onde nasceu em 1857, estudou suas primeiras letras em Manaus, cursando mais tarde, no Rio de Janeiro, a Escola Politécnica. Na opinião de seus contemporâneos e no julgamento da posteridade, foi uma das maiores cultura de sua época, além de escritor primoroso e crítico literário severo. Sua obra mais importante é a História da Literatura Brasileira (1916), onde se contrapõe ao nacionalismo positivista e cheio de parcialidade do crítico Sílvio Romero, seu rival no campo da crítica literária. Seus Estudos de Literatura Brasileira reúnem observações nada impressionistas sobre nossa literatura.

(*) É escritor, dramaturgo e articulista de a Crítica.