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quinta-feira, 8 de novembro de 2012

LÁ VEM CHUVA, MANINHO



Outubro terminou com uma chuva desse tipo e deixou o conjunto Tocantins sem luz, água, telefone, internet, televisão, ar condicionado

LÁ VEM CHUVA, MANINHO

Ellza Souza (*)

Chuva na minha terra não é bolinho não. Minha mãe dizia: _Lá vem chuva. E botava a gente pra dentro de casa. O garoto Moacir, que gostava de desenhar, fazia no chão de terra um sol bem grande pra chuva não cair e secar as roupas do varal de sua casa na beira do rio Solimões. Algumas crianças cantavam: - “Vai chuva, vem sol, pra enxugar o meu lençol”. Essas expressões são antigas e revelam cuidados que valem até hoje. Brincar debaixo de uma chuva torrencial, um toró, para os intimos, era o que mais a criançada gostava no bairro onde nasci. Mas mamãe tinha razão pois na minha terra é bom não brincar com chuva.

Quando a chuva vem lá longe, subindo o rio, lá das bandas do mar, a coisa vai ficando preta e o céu transtornado parece que vai desabar. Aí não tem bom. As pessoas procuram abrigo dentro de casa, cobrem-se os espelhos e os santinhos são colocados em ponto de reza. Vem muita água, vem trovão, vem raios que cortam grandes árvores, vem impiedoso o vento rasgando o que vê pela frente: casas, telhados, mato, fios de alta tensão, postes, barcos no rio. Outubro terminou com uma chuva desse tipo e deixou o conjunto Tocantins sem luz, água, telefone, internet, televisão, ar condicionado, todas essas mordomias a que nos acostumamos, por quase 48 horas. Foi uma eternidade. 

O calor insuportável pedia o tal aparelho refrescador que não funcionava. Coberturas de zinco desabaram, lindas árvores não resistiram. Conforme contam, muita gente do terceiro andar se escondeu nos banheiros assombrados com a força da natureza e imploravam socorro ao Criador. A tormenta tropical serviu para lavarmos até a alma e pagarmos talvez alguns pecados do tipo: derrubar a mata indiscriminadamente enfraquecendo o que fica; aterrar praias e igarapés; jogar lixo no rio e na rua; trocar quintal por pátio. E tantos outros que cada um que faça o seu ato de contrição.

Só sei que passada a chuva a periquitalhada é que está feliz. O céu está límpido no fim dessa tarde de quinta feira, dia de todos os santos e os verdinhos em bandos passam em revoada. A preferência deles sei que são as palmeiras das madames que apesar da tentativa no ano passado de evitar o assédio e o barulho às elegantes árvores imperiais, com redes, eles foram mas voltaram esse ano com mais “companheiros” para a desforra.

Passada a chuva e o vento e já com luz e a água bombando nas torneiras, só um saboroso “filhós” ou bolinho de chuva com bastante açúcar e canela, para esquecer tantas e tantas horas de medo, irritação e calor, que ninguém é de ferro. “Vai chuva, vem sol para aquecer o girassol”. “Vai sol, vem chuva, para molhar a terra e até a saúva”.

(*) É escritora, jornalista e articulsta do NCPAM/UFAM.