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segunda-feira, 26 de novembro de 2012

ENTRE PIAÇOCAS E ROLINHAS, UM CASO DE AMOR À POESIA

Dos trinta anos de carreira artística do Celdo Braga, 25 foi ao lado do grupo Raízes Caboclas e cinco compondo “música orgânica” ao lado do grupo Imbaúba.
Ellza Souza (*)
 Na sexta-feira (23) à noite fui ao Teatro Amazonas. E fui comemorar com um público que lotou o teatro, os trinta anos de um poeta. Muita gente ficou de fora, reclamou e saiu chateado mas recebeu um pedido de desculpa e promessa de mais música e poesia pela frente. Dos trinta anos de carreira artística do Celdo Braga, músico, professor, empreendedor, cantor e principalmente poeta pois tudo que fala transforma em beleza, em harmonia, em poesia, 25 foi ao lado do grupo Raízes Caboclas e cinco compondo “música orgânica” ao lado do grupo Imbaúba.
A parceria do Celdo com o Imbaúba é um trabalho inovador. A sonoridade empregada nos poemas remete aos ouvintes e encanta. O show já começou com um barulhinho de água e falando de rio, canoa e floresta. Depois vieram outras belas citações de passarinho, boto sonso, pérola azulada. Me senti em casa como qualquer amazônida e naquele momento amei mais ainda a minha terra e rezei para que aquelas palavras fizessem eco na mente das pessoas principalmente em relação a poluição dos nossos igarapés.
Fiquei encantada com o cenário e lembrei da festa dos 20 anos, ali mesmo, quando o palco foi bem mais decorado. Agora valeu a simplicidade da competência, da maturidade, do envolvimento. Apenas um fundo preto onde se destacava um grande paneiro pendurado. Foi a primeira coisa que notei quando abriram as cortinas. Nada de efeitos visuais apenas poesia, poesia e mais poesia, acompanhada dos músicos, cantores e percussão. E isso foi marcante na noite de aniversário, para mim e toda a platéia que não paravam de aplaudir e se encantar.
Não vou citar nomes mas todos os que estiveram no palco foram vitais na composição do espetáculo. Todos sem tirar nem por como dizia a minha avó. Vozes lindas entoaram verdadeiros hinos à natureza, cantando e recitando beleza e harmonia. Um grupo de alunos jovens fez sua homenagem teatralizando e dançando ao rebojo da música, no banzeiro da melodia. Às vezes eu fechava os olhos e me deixava envolver por aqueles sons e palavras. Me sentia num mundo que poderia ser real. Imaginava cenas do rio escorrendo, a árvore crescendo, o rouxinol assobiando, o chap chap na canoa, os igarapés de Manaus todos vivinhos e limpos.
Não é fácil ser um artista assim. Primeiro tem que ter o talento, a vocação, o carisma e depois a determinação de aproveitar o primeiro empurrão dado pelo Negão lá na longínqua Benjamim Constant. E pesquisar muito. O amigo sanhaçu veio de longe abrir o espetáculo com palavras como sempre bem ditas de amizade, sinceridade e meiguice.
Para encerrar nada mais emocionante do que a entrada do grupo Raízes Caboclas e num gesto de união como demonstrava o paneiro ali colocado, cantaram juntos como irmãos que sempre foram. Músicas antigas fizeram da noite um momento inesquecível na minha vida. Também não sei os nomes mas o que importa é que saí dali com mais uma lição de vida e de amor proferida na canção: “A lição que o paneiro ensina como é bela a união”. E todos cantaram despertando paz, amizade e orgulho de sermos cabocos sempre e cada vez mais. Parabéns a todos que se apresentaram nessa noite.  Parabéns ao Raízes, sempre Caboclas. Parabéns ao Imbaúba. Parabéns ao Celdo Braga. Parabéns à vida. Parabéns à natureza.

(*) É escritora, jornalista e articulista do NCPAM/UFAM.

Um futuro para o PSDB?



Com a vitória de Fernando Henrique Cardoso em 1994 e, sobretudo, com sua reeleição, em 1998, o PSDB cresceu demais e desordenadamente
É triste admitir, mas José Serra não precisou de adversários para ser derrotado.
José Augusto Guilhon Albuquerque e Elizabeth Balbachevsky (*)

Na noite das eleições municipais, a mensagem de uma jovem universitária chegou com lágrimas na voz: "A oposição vendeu São Paulo para o governo". Tão desafiadora que merece uma resposta igualmente franca.
A derrota do PSDB na cidade onde nasceu, e no Estado que domina há 20 anos, se deve exclusivamente ao próprio partido. Não pode ser atribuída a intuições geniais do adversário, pois o candidato tucano - um dos mais expressivos nomes do partido - obteve menos de 30% do eleitorado contra um mar de 33% de votos não válidos.
É triste admitir, mas José Serra não precisou de adversários para ser derrotado.
O PSDB foi vítima de seu próprio sucesso. Nascido como uma federação de dissidências regionais do PMDB e do antigo PFL, logrou conquistar o eleitorado de centro graças ao gênio político de Franco Montoro, que lhe deu voz e horizonte político, reunindo um leque admirável de lideranças regionais com experiência e capacidade governativa.
Com a vitória de Fernando Henrique Cardoso em 1994 e, sobretudo, com sua reeleição, em 1998, o PSDB cresceu demais e desordenadamente, mas não o bastante para garantir uma maioria governativa. As vacas gordas transmitiram doenças crônicas: o esgarçamento das bandeiras, o caciquismo e uma crise de identidade que o impede de entender o seu próprio eleitorado e definir rumos coerentes.
Fernando Henrique, o líder de maior sucesso eleitoral e político na história tucana, jamais foi unanimidade no próprio partido. Seções inteiras do PSDB repudiaram o Plano Real, que não teria passado sem o apoio do PFL. Seções inteiras apoiaram Lula nas eleições de 1994. Em 1998, além de Lula, também apoiaram outro candidato. Lideranças expressivas renegam até hoje a maior fonte da popularidade e da base eleitoral do partido - o reconhecimento da estabilidade econômica e da robustez financeira conquistadas sob sua liderança. Alinhando-se à visão míope do PT, as candidaturas tucanas à Presidência no pós-FHC esmeraram-se em tratar seu legado como a vergonha da família - abertura da economia, privatizações, responsabilidade fiscal, reforma bancária, moeda forte -, permitindo que Lula e o PT fossem os únicos beneficiários do sucesso dessas políticas.
A perda da identidade abre as portas para o caciquismo: setores inteiros do PSDB preferem perder para o adversário a ter de dividir a vitória com o rival no próprio partido. Os caciques regionais bloqueiam a ascensão de futuros rivais nas capitais, tática que explica como lideranças fortes em 30 anos de domínio político - se contarmos desde Mário Covas como prefeito de São Paulo - só conseguiram emplacar um candidato em condições realmente competitivas em 2004, com Serra.
Sua quintessência é a coalizão de vetos, em vigor desde a sucessão de FHC em 2002. Diferentes lideranças, por diferentes razões, embora minoritárias, reúnem recursos de resistência suficientes para frustrar a eleição do eventualmente consagrado pela maioria do partido.
Foi assim em 2002 com Serra, que chegou a ser derrotado em Estados onde a coalizão tucana obteve vitória incontestável. Foi assim em 2006 com Geraldo Alckmin, que chegou ao segundo turno para ser hostilizado publicamente por seu próprio partido. Foi assim em 2010 com Serra, que, em que pesem seus erros de percurso, foi indiscutivelmente hostilizado por seus próprios pares antes, durante e depois da campanha.
O esgarçamento das bandeiras resulta diretamente da extensão das coalizões tucanas, para além do útil e do desejável. Para dar conta desse esgarçamento basta deixar uma pergunta no ar: quem sabe quais as posições da oposição tucana sobre a matriz energética brasileira desde o ministério Dilma Rousseff; sobre o atual modelo de crescimento; sobre a missão do Banco Central, sua tolerância com a inflação e o gasto público; sobre o desmantelamento da Petrobrás e a paralisia da política de exploração do pré-sal; sobre a política federal para enfrentar as mudanças climáticas; sobre o nacionalismo comercial e cambial; sobre o "controle social" da liberdade de imprensa?
Vivemos uma década de despolitização graças à capacidade do ex-presidente Lula para manipular corações e mentes. Os partidos, as ideias, os anseios de parte significativa do eleitorado foram ofuscados pelo culto à personalidade e pelo maniqueísmo do "nós contra eles".
Em artigo publicado em Opinião Pública (vol. 13, n.º 2, 2007), Elizabeth Balbachevsky e Denilde Holzhacker mostraram que o eleitor de Lula em 2006 diferiu significativamente do seu eleitor em 2002. Naquela eleição o voto em Lula não foi determinado, como nas eleições anteriores, pela identidade do eleitor com o PT nem por sua inclinação ideológica. Variáveis demográficas, como o nível de renda e de escolaridade, foram mais importantes na propensão para votar em Lula. Uma controvérsia foi criada sobre a emergência de uma nova realidade social e política, o "lulismo", capaz de alterar definitivamente a matriz do sistema partidário nacional.
As últimas eleições municipais, entretanto, evidenciam a perda de fôlego do personalismo. Lula considerou questão de honra bater seus adversários em dúzia e meia de cidades. Venceu em pouco mais de meia dúzia. É visível, ademais, um realinhamento do voto nacional, com as administrações municipais concentradas novamente em três grandes partidos, um ao centro (PSDB), outro à direita (PMDB) e outro à esquerda (PT). Com isso os tucanos precisam tomar algum rumo, pois há dois partidos emergentes prontos para ocupar o seu lugar ao centro (PSB) e à direita (PSD).
* É professor titular da USP, pesquisador sênior do Centro de Estudos Avançados da UNICAMP. É professora associada do Departamento de Ciência Política da USP, vice-coordenadora do NUPPS/USP e membro do Centro de Estudos Avançado da UNICAMP 

Fonte: http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,um-futuro-para-o-psdb-,965224,0.htm