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segunda-feira, 10 de junho de 2013

O CAOS URBANO




Pobre Manaus... perdemos o respeito, porquanto temos assistido a tudo isso com incômoda passividade, distantes de atitudes que possam traduzir o mínimo de indignação frente à destruição da cidade.
Paulo Figueiredo (*)
Manaus tinha uma bela topografia, que foi sendo destruída ao longo dos anos. Seus relevos suaves e igarapés de águas límpidas e puras, cor de caramelo escuro, foram sepultados pela incúria e pela incultura. Na construção da cidade, após a aldeola, um casario característico da arquitetura colonial portuguesa, com suas vias urbanas interligadas pelo projeto de transporte público implantado pelos ingleses. Essas características, com seus palácios históricos ainda existentes, fizeram-na distinta e sedutora, marca que insiste em resistir, pelo menos no coração e na alma de seus filhos e amantes irrenunciáveis, dentre os quais me incluo.
Anda suja e maltratada. Esburacada, uma sucessão imensa de crateras, em vias tobogânicas. Os igarapés, que a cortavam de ponta a ponta e em todos os sentidos, foram soterrados ou transformados em longas faixas de esgoto a céu aberto, enquanto uma horda de predadores invadiam seus espaços para transformá-la num amontoado urbanístico disforme e irreconhecível. E a ação deletéria, presente especialmente no centro velho da cidade, em cada uma de suas ruas e esquinas, encontra autores e responsáveis em todos os níveis sociais, facilmente identificados pelo aventureirismo típico e pela ausência de compromisso com a história de Manaus.
Sem nenhum sentimento saudosista, mas apenas em homenagem às inclinações naturais da cidade, tenho registrado na imprensa a falência da urbe, com sua face e contornos urbanísticos desfigurados. Perdemos a vocação em função da qual sempre existimos, desde os primórdios, com o entupimento de nossas artérias aquáticas, que deram ensejo no passado ao surgimento de um sem número de ‘banhos’ privados e públicos, sítios enriquecidos por riachos, onde cultivávamos a alegria nos finais de semana.
E assim fomos perdendo tudo, nossas ruas antigas e seus paralelepípedos portugueses, as belas fachadas das residências senhoriais, os clubes tradicionais, o Acapulco, os prostíbulos memoráveis, os bondes, a arborização com fileiras intermináveis de benjaminzeiros, e até nossos poucos e conhecidos loucos e cegos, mais do que visíveis, merecedores de todo o nosso desvelo. Perdemos o respeito, porquanto temos assistido a tudo isso com incômoda passividade, distantes de atitudes que possam traduzir o mínimo de indignação frente à destruição da cidade.
Enquanto isso, o Brasil desenvolvido continua insensível em relação ao Estado. Sob a liderança de São Paulo, que no passado ajudamos a construir, durante o período áureo de exportação da borracha, quer retirar a única alternativa econômica que mal ou bem ainda possuímos, sem nos oferecer nada em troca ou como compensação. É o prêmio que recebemos pela ocupação da Amazônia, como soldados de sua conservação e em defesa de sua integração permanente ao conjunto da Nação brasileira.
Não plantamos uma grande civilização no gigantesco Amazonas, passados mais de quatro séculos após a navegação inaugural do explorador espanhol Vicente Pinzón, que o designou de “Río Santa María del Mar Dulce”.  Continuamos patinando, mais precisamente, na confluência com o Negro, onde os colonizadores, com os índios, seus primeiros habitantes, edificaram para sempre a nossa Manaus. Não conseguimos nem de longe repetir, ainda que muito modestamente, a notável experiência civilizatória ancorada nos grandes cursos d’água pelo mundo afora, como ocorreu no Tigre e no Eufrates, no Nilo, no Amarelo e no Indo, presentes na Suméria (do grego: entre rios) – Mesopotâmia, no Nilo, na China e na Índia.
Mas é o que temos e ainda assim é tratado com histórica indiferença, como evidenciam as muitas casas construídas de costas para o rio, fato que começamos a corrigir nas últimas décadas. Mais grave é que a falta de educação, de informação e de respeito ao meio ambiente fazem com que os poucos igarapés que restam e a orla do Rio Negro sejam transformados em grandes lixeiras urbanas, que comprometem o nosso ecossistema fluvial. Insistimos em desconhecer que a existência só é possível pela água, pelo rio, que comanda a vida, como nos ensinou Leandro Tocantins, sem a qual não seria possível iniciarmos a grande aventura do ser humano sobre a terra.
Imergindo na realidade atual, a Copa do Mundo bate à porta de Manaus. E, com exceção da discutível Arena da Amazônia e de seus preços estratosféricos, tudo indica que esquecemos de vez os demais e tão decantados projetos do que hoje chamam de mobilidade urbana, espécie de eufemismo com o qual passaram a designar o transporte público e o privado. Não se fala mais em BRT (“Bus Rapid Transit”) e Monotrilho. O certo é que, com Copa ou sem Copa, a situação no dia a dia da cidade tornou-se caótica. Não há um horário sequer sem engarrafamentos quilométricos e insuportáveis, com o tráfego obstruído e em cima de um sistema de transporte coletivo deficiente e caro, para não dizer inexistente.
E como ficou fácil fechar a cidade, como o fizeram os mototaxistas no início desta semana, um flagelo a mais no trânsito de Manaus, pobre Manaus. É, não temos dado sorte. Até quando?
(*) É amazonense da gema, de Itacoatiara, advogado e articulista do Diário do Amazonas.





PARIS DOS TRÓPICOS, UMA CIDADE SEM LUZ



 Ontem, sem luz, lembrei dos lampiõezinhos que são a cara da riqueza européia
Ellza Souza (*)

Pelo menos no Conjunto Habitacional Tocantins, centro oeste da capital, tivemos uma noite sem luz, quase de trevas não fosse a lua para alumiar. O pior é que já tivemos parecença com a cidade luz e até “remedamos” a belle epoque de lá. Já tivemos árvores bem cuidadas na avenida Eduardo Ribeiro e hoje temos barracas de quinquilharias. Já tivemos nossas trouxas de roupas levadas e lavadas na Europa. Já tivemos as ruas limpas, a sombra das mangueiras e a água fresca dos igarapés. Já até deixamos levar a semente da seringueira.
Era tanta riqueza que se queimava dinheiro enrolado como charuto. Ontem, sem luz, lembrei dos lampiõezinhos que são a cara da riqueza européia, mesmo na crise. Aqui foram substituídos por algo mais moderno mas que não funciona pois quase sempre as lâmpadas da rua estão “queimadas”. As prostitutas vinham de longe atender os coronéis daqui. Era um tempo que ainda existiam os barrancos por esses lados. No centro da cidade tinha grandes e charmosas padarias, restaurantes, lojas de finos tecidos e louças. Hoje no lugar das confeitarias temos “lanches” nas esquinas das ruas e todos vendem a mesma coxinha, empanada ou empoeirada? Nada ficou da Paris original. Nem beleza, nem limpeza, nem riqueza, nem um bonde pra lembrar a história. E muito menos um museu para guardar essas histórias.
A Paris dos trópicos já tem idade para assumir a sua própria personalidade e ser apenas, Manaus. Quente, úmida, de origem indígena, exuberante em suas matas, rios, frutos, peixes, ervas medicinais e água pra todo lado. Tão achando pouco ou querem mais? E já que é cidade que seja iluminada e volte a ser graciosa e um lugar para sermos felizes. Quem não gostar dessas características procure seu rumo que o Brasil é grande e um país de futuro.
(*) É escritora, jornalista e articulista do NCPAM/UFAM.