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terça-feira, 16 de junho de 2015

O QUE GERA O ENSINO PÚBLICO?





Por: George Castro* é supervisor do Pacto Nacional pelo Fortalecimento do Ensino Médio

Amazonas Atual
Em três décadas o Brasil conseguiu vencer um dos grandes problemas que afligia a educação pública do país: o acesso a escola. Até o final da década de 1990 era comum nos noticiários o relato de pais que dormiam na porta de escolas para garantir uma vaga para seus filhos, o que nem sempre conseguiam. Fato era que não havia vagas para todos e, sendo assim, existiam pessoas que estavam condenadas a não estudar.
Nesses 30 anos algumas ações foram tomadas no sentido de garantir o acesso à escola para milhões de brasileiros. A rede física foi ampliada com a construção de várias unidades escolares, professores foram admitidos através de concurso, equipamentos foram adquiridos e muito material didático foi distribuído gratuitamente aos alunos.
Contudo, outro desafio (já esperado) tem se apresentado à medida que fomos dando conta do primeiro: o de garantir a qualidade de ensino para todos. A primeira vista parece inconciliável estender o atendimento a tanta gente e ao mesmo tempo garantir qualidade. Afinal, temos hoje na educação básica (ensino fundamental e médio) pouco mais de 40 milhões de alunos.
O número impressiona, mas o que mais impressiona são os números que tentam aferir a qualidade do ensino que estas pessoas recebem nas milhares de escolas públicas existentes em todo o país. Infelizmente eles nos deixam bastante preocupados, pois em avaliações internacionais como a do PISA (sigla em inglês que significa Programa Internacional de Avaliação de Estudantes) nosso país sempre figura entre os últimos colocados, sinalizando que medidas urgentes precisam ser tomadas.
No Brasil, a qualidade do ensino passou a ser avaliada através de dois indicadores: o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB) e a média das escolas no ENEM – de onde a imprensa, de maneira indevida, sempre cria um ranking.
Analisando os resultados do IDEB e do ENEM, percebemos claramente que ainda há um caminho muito longo a ser percorrido. As consequências desse ensino básico deficitário já foram identificadas e quantificadas, e o prejuízo causado é grande. Podemos dizer que de maneira geral dois campos são afetados:
1.I) O ensino superior, que ao receber alunos de ensino médio com graves lacunas em seu aprendizado padece com um índice de evasão que é um dos maiores do mundo – nos cursos de engenharia chega a 40%, por exemplo.
2.II) O mundo do trabalho, que recebe pessoas sem as competências mínimas até mesmo para as funções mais básicas. Segundo a organização para cooperação do desenvolvimento econômico (OCDE), o trabalhador brasileiro por conta de sua formação na educação básica é cerca de quatro vezes menos produtivo que o trabalhador americano.
Mas por que há tanta dificuldade em avançar na qualidade da educação? A resposta para esta questão não é simples, pois precisa contemplar vários aspectos. Não há como atribuir a um único fator a situação que temos hoje no ensino fundamental e médio – os níveis da educação básica.
O currículo das escolas tem sido apontado frequentemente como um dos principais fatores que concorrem para o déficit de aprendizado dos alunos, principalmente no ensino médio. De maneira geral os currículos são baseados em muito conteúdo e pouca reflexão, não privilegiam o desenvolvimento das competências ligadas a autonomia dos alunos e ao trabalho em equipe, coisas fundamentais tanto no ensino superior quanto no mundo do trabalho.
Por outro lado a formação inicial dos professores também colabora para que esse tipo de currículo se mantenha, pois via de regra os cursos de licenciatura não formam professores para educação básica, formam sim aspirantes a professores do ensino superior. É muito comum se ouvir deles que aprenderam pouca coisa útil para sua prática docente durante a passagem pela universidade. Tendo recebido apenas conhecimento técnico.
Outro fator que colabora sobremaneira para a situação que temos hoje, é a baixa-estima de alunos e professores da rede pública, produzida em grande parte pelo ambiente escolar. Muitas escolas têm estruturas deterioradas em que se têm apenas as condições mínimas (e às vezes nem isso) para se trabalhar: são salas quentes, banheiros quebrados, ventiladores barulhentos, lâmpadas queimadas e segurança precária.
A pouca participação da família na vida escolar dos alunos pode ser apontada como outro fator determinante para a baixa qualidade do ensino. Com o tempo os pais começaram a entender a escola como uma instituição que tem por obrigação educar ampla, total e irrestritamente, seus filhos. Desse modo, delegou-se somente a escola um papel que deveria ser compartilhado com a família. Esse “abandono” costuma deixar consequências na vida estudantil, gerando problemas de relacionamento e dificuldades de aprendizagem.
Há também quem entenda que a maior culpado disso sejam os próprios estudantes, pois na sua falta de interesse residiria todo o problema. O que aparentemente parece se confirmar nos resultados das avaliações de larga escala. Contudo, há de se pensar que com um currículo que não motiva muito à reflexão – consequentemente a participação, professores que por conta de sua formação centram suas aulas no conteúdo não dando vez a aspectos da vida cotidiana, um ambiente escolar desmotivador e uma família que pouco participa da vida escolar, é muito difícil mesmo que o interesse aflore. Afinal, por que afloraria?
Portanto, qualquer reforma educacional, projeto, ou mesmo iniciativa individual que seja pensada no sentido de melhorar a educação, deve levar em conta esses aspectos. Não fazendo isso o risco de se fracassar é muito grande, pois não há como se ter resultado apreciável sem que se encarem todos esses fatores.
Mas para isso é necessário uma gestão preparada, que consiga olhar para o todo não se atendo somente a uma parte, que saiba intervir em cada fator na justa medida em que ele colabora para o mau desempenho. E, principalmente, é necessário muito diálogo entre todos os envolvidos: professores, pais, alunos e gestores.
Uma pena é que gestores com esse perfil e disposição, infelizmente, são raros. E quando surgem precisam ser muito resilientes, caso contrário são esmagados pelo modelo que já está posto, que com uma inércia muito grande resiste fortemente a mudanças.



*George Castro é supervisor do Pacto Nacional pelo Fortalecimento do Ensino Médio;
diretor executivo da Macedo de Castro consultoria educacional; ex-professor da Universidade Federal do Pará e ex-diretor do ensino médio e educação profissional do estado do Pará.
Contato: george@macedodecastro.com


 

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